Tecnologia digital não pode substituir pedagogia, diz pesquisador
Para o especialista, antes de propor a adoção tecnológica em sala de aula, os professores devem repensar como ajudar no desenvolvimento das capacidades intelectuais dos estudantes
Especialistas apontam para a necessidade de novas práticas de ensino que atendam as exigências da educação do século 21. Há aqueles que apostam nas tecnologias digitais como ferramentas indispensáveis capazes de endereçar essas demandas de ensino-aprendizagem. No entanto, outros estudiosos garantem que, ao mesmo tempo em que a chamada era digital democratiza a informação, ela também pode estar desprovida de objetivos formativos, colocando a informação apenas a serviço do mercado, da publicidade, do consumo.
Para o especialista em educação brasileira, José Carlos Libâneo, que palestrou na quarta-feira na 20ª edição da Educar, em São Paulo, antes de propor qualquer adoção tecnológica em sala de aula, é preciso, primeiro, que os professores repensem como ajudar no desenvolvimento das capacidades intelectuais dos estudantes por meio dos conteúdos de suas disciplinas.
"Penso que as características de todo bom professor precisam ser identificadas a partir de sua base pedagógica. Não são as tecnologias digitais que as definem e nem apenas as demandas da escola do futuro", afirma ele, que é pós-doutor em Educação pela Universidad de Valladolid, da Espanha.
Libâneo aponta três características fundamentais para a prática docente: dominar a matéria que ensina, saber como ensinar os conteúdos e identificar as necessidades individuais de cada estudante. Essas condições, afirma, são importantes para atender às novas exigências educacionais, como: formar jovens com capacidade reflexiva, capazes de fundamentar e lidar criticamente com a informação e a produção própria de conteúdo utilizando a palavra, a imagem, o movimento, o hipertexto, etc.
No caso da primeira característica, o domínio do conteúdo que o docente leciona é imprescindível para a formação dos alunos. "Para um professor ensinar matemática aos seus alunos, por exemplo, ele precisa, primeiramente, e como condição absoluta, dominar o conteúdo. Nada feito sem saber o conteúdo que ensinará. É sumamente desejável que tenha uma cultura geral, ou melhor, uma cultura interdisciplinar", diz.
Além disso, o educador também precisa saber como ensinar, mais especificamente, como pode ajudar o aluno a entender a lógica mental por trás dos conteúdos da disciplina. "Ele precisa identificar na matéria as capacidades intelectuais (conceitos, ações mentais) mais importantes a serem desenvolvidas e propor atividades e experiências que estimulem, envolvam e melhorem a aprendizagem ativa e a compreensão dos alunos", assegura.
Por fim, é preciso identificar quem é o estudante ao qual leciona, principalmente seus motivos, seus objetivos subjetivos, a relação que ele tem com a matéria trabalhada. "É preciso saber em que contexto sociocultural e institucional 'João' vive, como esse contexto influi na sua aprendizagem e como esse contexto pode ser modificado. Entre essas práticas socioculturais incluem-se o contexto familiar, as foras de organização e funcionamento da escola, mas também o contexto das TICs."
"É necessário aos professores dominar a linguagem informacional, habilidade de articular as aulas com as mídias e multimídias, as lógicas e modos de lidar com o conhecimento das tecnologias."
De acordo com Libâneo, só a partir dessas tarefas, consideradas básicas, é que as tecnologias digitais podem desempenhar um papel mais assíduo na prática docente. "Como pedagogo, posso afirmar que as TICs atuam no âmbito psíquico dos estudantes, na sua relação com os objetos de conhecimento, nas formas de percepção, expressão e comunicação com os outros", diz. "São inúmeros os benefícios. Elas ajudam a modificar as formas de aprender dos estudantes, seja definindo novas interações com os conteúdos, colocando os estudantes nas redes sociais, intervindo nas relações na sala de aula, entre outros."
No entanto, ele pondera que é impossível aceitar que a escola trabalhe com o uso ferramental das tecnologias ou a partir de um currículo fixado apenas nas habilidades dissociadas do seu conteúdo e significado. "Elas (as tecnologias), dessa forma, praticamente não contribuem para o desenvolvimento das capacidades intelectuais e a formação da personalidade dos estudantes. É necessário o domínio da linguagem informacional, habilidade de articular as aulas com as mídias e multimídias, as lógicas e modos de lidar com o conhecimento das tecnologias", diz.